E Dalton Trevisan se foi...
No dia 9 de dezembro de 2024, o Vampiro de Curitiba fez seu último voo. Dalton Trevisan morreu, aos 99 anos de idade. Quando recebi a notícia da morte de Dalton Trevisan, na manhã de 10 de dezembro, meu dia começou triste. Autor curitibano e meu conterrâneo, Dalton é meu ídolo máximo na literatura.
Caricatura de Dalton Trevisan feita pelo artista e amigo Poty Lazzarotto
Tenho dezenas de livros dele, nos quais "viajo, viajo"... Não me canso de reler suas histórias, admirar seu humor ácido e de cair na armadilha de sorrir, para só então começar a lamentar.
Dalton estava prestes a completar 100 anos e ainda estava na ativa, organizando a publicação de mais uma coletânea de contos. Mesmo assim, suas obras eram raridade por aqui. Eu não me cansava de reclamar, nas feiras e livrarias de Curitiba, quando descobria que não havia nenhum livro de nosso vampiro.
Talvez essa ausência possa ser explicada pela contundência dos textos do autor. Sei que Dalton Trevisan é para poucos e, nesse aspecto, acho oportuno celebrar o vampiro parodiando os versos do "cachorro louco" curitibano.
Dalton Trevisan
ame-o
ou deixe-o. (1)
Muitas pessoas criticam a repetição com variação; outras não aguentam a violência da linguagem e dos personagens; há aqueles que não entendem a ironia; e também há quem diga que as histórias de Dalton não têm nenhuma associação com a realidade (???).
Capas de livros de Dalton Trevisan.
Imagem disponível em: https://www.rankbrasil.com.br/
Bem... Por tudo isso, eu resolvi amá-lo e registro aqui meu pesar pela partida dele. Nesta ocasião, relembro um artigo que escrevi há 10 anos e que foi publicado no Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea da UFRJ. O título é "Dalton Trevisan e a literatura do contra" e o texto pode ser lido na íntegra, neste link:
Por fim, transcrevo aqui alguns trechos do meu conto preferido, "Lamentações de Curitiba":
A palavra do Senhor contra a cidade de Curitiba no dia de sua visitação.
[...].
O que fugir do fogo não escapará da água, o que escapar da peste não fugirá da espada, mas o que escapar do fogo, da água, da peste e da espada, esse não fugirá de si mesmo e terá morte pior.
O relógio da Praça Osório marca a hora parada do dia de sua visitação.
[...]
Os ipês na Praça Tiradentes sacolejarão os enforcados como roupa secando no arame.
[...]
No rio Belém serão tantos os afogados que a cabeça de um encostará nos pés de outro, e onde a cachaça para mil e um velórios? [...]
A espada veio sobre Curitiba, e Curitiba foi, não é mais.
Não tremas, ó cidadão de São José dos Pinhais, nem tu, pacato munícipe de Colombo, a besta baterá voo no degrau de tuas portas. Até aqui o juízo de Curitiba. (2)
"Curitiba foi, não é mais", mas Dalton será para sempre o nosso vampiro! O dia do Juízo Final chegará e restarão apenas ele e "as baratas com caspa na sobrancelha".
Um viva e "um assobio com dois dedos na língua" para Dalton Trevisan! (3)
Notas:
(1) Alusão a poema de Paulo Leminski.
(2) In: TREVISAN, Dalton. Em busca de Curitiba perdida (1992).
(3) Os trechos entre aspas citados ao longo do texto não dizem respeito a uma obra específica. São expressões usadas recorretemente pelo escritor, ao longo de sua carreira.
Crédito da imagem da "capa":
Texto originalmente publicado no blog Sarau Literário, em 10 dez. 2024, por ocasião da morte do autor.
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* Verônica Daniel Kobs: Professora e Coordenadora do Mestrado e do Doutorado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Professora Visitante do Mestrado e do Doutorado da Florida University of Science and Theology. Autora do blog Interartes (https://danielkobsveronica.wixsite.com/interartes). Em 2018, concluiu o Pós-Doutorado na área de Literatura e Intermidialidade, realizado na UFPR.
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