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Foto do escritorVerônica Daniel Kobs

TITÃS DO ROCK NACIONAL

Neste ano, a banda Titãs realizou a turnê Encontro: Todos ao mesmo tempo agora. O nome é uma homenagem ao álbum Tudo ao mesmo tempo agora (1991), e o evento comemora os 40 anos de carreira do grupo (Fig. 1). Infelizmente, essa história foi interrompida por saídas sucessivas e algumas fatalidades, como a morte de Marcelo Fromer, em 2001. Apesar disso, a banda Titãs sobrevive, mas hoje é apenas um Trio, formado por Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Bellotto. Aliás, foram esses três que se destacaram no palco do Encontro, mostrando que ainda têm muito rock ’n’ roll na veia.



Desde os anos 1980, sou fã inveterada dos Titãs e lembro vários acontecimentos que me marcaram, desde aquela época. Nos primeiros anos de carreira, em 1985, o grupo participou do “Sonho maluco”, um quadro muito esperado, todo sábado, no programa Viva a noite, apresentado por Augusto Liberato, mais conhecido como Gugu. Na ocasião, três integrantes da banda realizaram a fantasia de uma fã, salvando-a de uma teia gigante de aranha, no viaduto Santa Ifigênia, na capital paulista. Há vídeos mostrando a atração, no canal Mofo TV, no YouTube.

Mais ou menos na mesma época, fui a um show da banda, no estádio Couto Pereira, em Curitiba, acompanhada pela minha avó e cantando “Bichos escrotos” a plenos pulmões. Depois disso, em 1990, eu era aluna do Magistério e estava fazendo um curso sobre Ecologia e Educação, na Universidade Livre do Meio Ambiente, também em Curitiba, quando uma de nossas aulas foi interrompida... Estávamos em uma sala de vidro e começamos a ver botas de couro preto, com spikes e correntes de metal, passando pela passarela que cercava o auditório. Foi então que uma de minhas colegas gritou: "Os Titãs! Os Titãs estão aqui!!!" Claro que a aula teve que ser interrompida e a professora precisou ir até o mirante falar com a banda, dizendo que eles não podiam ir embora sem tentar acalmar quarenta fãs completamente enlouquecidas. Minutos depois, o grupo foi até nossa sala de aula. A princípio, ficamos atônitas e em silêncio absoluto, só admirando todos eles, mas, depois, algumas de nós criaram coragem, ocasião em que conversei com Paulo Miklos sobre meu sonho de ser professora.

Muito tempo depois, talvez em 2017, eu trabalhava em uma empresa de Comunicação e uma tarde, já no fim de expediente, esbarrei em ninguém menos que Arnaldo Antunes, que chegava ao estúdio, para uma entrevista, já que estava fazendo show na cidade. Evidentemente, como boa curitibana, eu mantive o silêncio e a discrição. Pedi desculpas pelo esbarrão e o cumprimentei. Ele respondeu e foi tudo (pelo menos naquele momento). Porém, apenas alguns minutos depois, quando eu já estava sozinha, em meu carro, exultei e telefonei imediatamente para o meu marido, para contar os detalhes do feliz encontro! Na verdade, desde o início da banda, meus preferidos eram Arnaldo Antunes e Branco Mello, por causa do visual irreverente dos dois, que inspirava uma atitude contestatória — a mesma, aliás, que se traduziu em sucessos memoráveis, como “Igreja”, “Polícia”, “Homem primata”, “Aa-Uu” e “A verdadeira Mary Poppins”.

Em “Igreja”, por exemplo, lançada originalmente em 1987, no álbum Cabeça dinossauro, versos como "Eu não gosto de padre" (TITÃS, 1994) ou "Eu não monto presépio" (TITÃS, 1994) atacavam diretamente o sistema e o senso comum, propondo que as coisas não sejam feitas sempre do mesmo modo, por costume ou tradição. Inclusive, o célebre verso "Eu não digo amém" (TITÃS, 1994) resume muito bem a criticidade que sempre caracterizou os Titãs, na esteira da revolução feita pelo punk rock, no final da década de 1970, relembrando a importância de questionarmos tudo e de nos posicionarmos a respeito de tudo, em defesa de nossa própria ideologia e de nossa liberdade de expressão.

No sucesso “A verdadeira Mary Poppins”, que integra o álbum Titanomaquia (1993), a banda desconstrói o mito Mary Poppins, personagem associada à bondade e à felicidade, revelando a verdadeira face do ícone das histórias infantis. Na música, que adota um estilo paródico, a encantadora babá está “fedendo” e “apodrecendo” (TITÃS, 1994), igualando-se a John Kennedy, Raul Seixas, Jimi Hendrix, Bruce Lee, entre outros. Portanto, a turnê Encontro homenageia não apenas a longeva carreira da banda, mas também a inquietação e o perfil contestador, que marcaram gerações, ao longo de quatro décadas.

Sempre à frente de seu tempo, em 1989, com o lançamento do disco Õ Blesq Blom, a banda surpreendeu publico e crítica não apenas com o título do álbum, de grafia estranha e pronúncia quase impossível, mas também com a música “Miséria”, que teve lugar garantido na turnê de 2023. Em “Miséria”, os Titãs usaram uma vinheta de abertura, cantada por Mauro e Quitéria, acentuando, assim, a importância da interculturalidade e da denúncia da desigualdade social, em um projeto que promove o cruzamento do cancioneiro popular com o rock nacional.

Para comprovar a tenacidade da banda em relação às críticas ácidas, deve-se considerar também o álbum de 2001, intitulado A melhor banda de todos os tempos da última semana e dedicado a Marcelo Fromer, “para sempre um TITÔ (TITÃS, 2001, grifo no original). Nesse trabalho, lançado quase vinte anos depois do período áureo da banda, a faixa-título faz alusão ao fenômeno da celebridade instantânea, que estava em voga, na virada do século e do milênio. Além disso, os versos da música são impiedosos quanto ao poder avassalador da mídia e da indústria de entretenimento, capazes de transformar “O ilustre desconhecido” no “novo ídolo do próximo verão” (TITÃS, 2001), mas também de destruir qualquer vestígio de fama, quando os holofotes se apagam:


Quinze minutos de fama

Mais um pros comerciais

Quinze minutos de fama

Depois descanse em paz

O gênio da última hora

É o idiota do ano seguinte

O último novo-rico

É o mais novo pedinte (TITÃS, 2001)


No mesmo álbum, outra letra de crítica social incisiva é “Mundo cão”, que trata de censura e controle, demonstrando que os fantasmas do passado ainda rondam por aí, restringindo nossa liberdade, mesmo em ações simples do cotidiano:


Você pode se iludir

Mas ilusão custa caro

Pode até se divertir

Como um animal adestrado

[...]

Você pode falar

Mas é melhor ficar calado


[...]


Mundo cão, mundo cão

Não estou vendo nada novo

Mundo cão, todos estão

Com uma coleira no pescoço (TITÃS, 2001)


Aliás, na coletiva de imprensa que lançou oficialmente a turnê Encontro, em 16 de novembro de 2022, em São Paulo, a banda comemorou a mais recente conquista do país, fazendo alusão aos resultados do último pleito presidencial. Mantendo essa atitude, nos shows deste ano, Nando Reis usou o nome do ex-presidente do Brasil na letra de “Nome aos bois” e, depois dessa música, vem o recado: “Tá na hora de a gente botar o pé de novo!” (TITÃS, 2023).

Porém, nem só das letras sobrevive a ousadia dos Titãs! Os clipes também são disruptores, cada um a sua maneira. O primeiro exemplo é Cabeça dinossauro, que funde instinto e selvageria, em uma coreografia que é ao mesmo tempo simples e teatral. Outro vídeo de destaque é Isso, que contraria a letra, desconstruindo a balada romântica, por meio da paródia. Como consequência, o casal protagonista da história é substituído por um par bastante incomum, já que, no clipe, Paulo Miklos desempenha o papel de um homem que declara seu amor por um elefante. Para fechar a tríade de clipes desconcertantes da banda, não se pode esquecer da nova versão de Sonífera ilha (2020), no formato acústico, com o objetivo de repaginar a música que alavancou a carreira da banda, nos idos de 1984 (Fig. 2).


Figura 2: Frames que mostram alguns dos ilustres convidados da nova versão do clipe Sonífera ilha, lançada em 2020, no formato acústico. Imagem disponível em: https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2020/03/21/titas-sonifera-ilha-participacoes-especiais/


A novidade foi a dublagem, recurso mais adequado àquele período de isolamento social, em decorrência da pandemia de covid-19. No entanto, além de segura, essa estratégia resultou em um clipe divertido e inusitado, revelando nomes admirados pela banda e que também a admiram, tanto na esfera pessoal quanto na profissional. Sendo assim, o Trio Acústico formado pelos Titãs desempenha o papel de mediador, transformando diversos convidados famosos em protagonistas. Sendo assim, emprestando o corpo e os gestos para coreografias peculiares, cada participante revela seu próprio estilo. Fragmentação e diversidade são as palavras de ordem nesse vídeo, mas, ao final, tudo é combinado e unificado, já que a voz ouvida no vídeo é prova incontestável de que a música é dos Titãs, e está na boca de todos.

Junto com os Titãs, participaram da turnê Encontro o produtor Liminha e também Alice Fromer, ambos demonstrando a ausência e, ao mesmo tempo, a presença do saudoso Marcelo. Em dueto com Arnaldo Antunes, durante a parte acústica do show, Alice emprestou sua voz a “Não vou me adaptar” e a “Toda cor”, sucesso escrito por seu pai. Porém, o ex-Titã não foi o único homenageado da banda. Durante o espetáculo, Erasmo Carlos e Rita Lee, falecidos recentemente, também foram lembrados. A parceria entre Alice e Arnaldo rendeu bons frutos, devido à perfeita combinação de estilo dos dois, o que fez prevalecer a leveza e certo despojamento. No entanto, quando Alice assumiu os vocais para homenagear a Rainha do Rock, o resultado não foi o mesmo. A delicadeza sonora de Alice não fez jus à voz grave e potente de Rita Lee.

Ao longo do show, a banda também exibiu vídeos atuais (em preto-e-branco) e do passado (em cores), invertendo o velho padrão associativo. A mudança é justificada, afinal o passado merecia ganhar cor, pelo fato de ter representado os tempos felizes, com cenas que rememoravam a convivência do grupo: “Somos uma família: desunida, porém verdadeira” (TITÃS, 2023). Evidentemente, isso ganhou ainda mais significado antes da música “Epitáfio”, que completou o clima de amizade e nostalgia, ao mesmo tempo em que deu início à parte acústica do espetáculo, em referência ao álbum Titãs Acústico MTV (1997), que teve importância fundamental na história da banda. Essa mesclagem do colorido com o formato preto-e-branco também foi usada na abertura do show (Fig. 3):


Figura 3: Abertura da turnê Encontro em Belo Horizonte, com a música “Diversão”. Imagem disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=EFkRA5P53ik


As luzes se apagam, revelando apenas a sombra dos sete Titãs, alinhados sobre o palco, provocando o contraste do preto sobre o fundo branco. Entretanto, logo o branco sai de cena e dá lugar ao vermelho, gerando novo contraste, mais condizente com a intensidade e a fúria que sempre representaram a banda.

Paulo Miklos fez a abertura do evento e ficou responsável pelos vocais em músicas de grande sucesso, como, por exemplo, “Bichos escrotos”. No entanto, a performance dele foi apagada, sem o bom humor e sem o improviso notáveis que ele demonstrou no Acústico MTV, gravado no fim da década de 1990, conforme mencionado anteriormente. Na turnê Encontro, foi Sérgio Britto quem comandou a pequena série de versões acústicas, pedindo luzes e palmas ritmadas para a plateia.

Infelizmente, nessa turnê, Tony Bellotto, que, no Trio, tem se mostrado muito à vontade como cantor, não assumiu os vocais, mas ele já tinha avisado isso a Sarah Oliveira, ex-VJ da MTV, na entrevista oficial que anunciou os shows de Encontro, afinal, segundo Bellotto, os “vocais voltaram”. Branco Mello, quase sem voz por ainda estar se recuperando de uma cirurgia, fez participações especialíssimas nos vocais de “Tô cansado”, “Eu não sei fazer música”, “Flores” e “Cabeça dinossauro”. No caso de “Flores”, esse é um hit da banda que já pertence a Branco Mello e nenhum fã tem dúvida disso. No entanto, em “Cabeça dinossauro”, o que decepcionou foi o novo arranjo, com sons distorcidos, que acabaram dissipando o poder dessa letra emblemática dos Titãs. O mesmo aconteceu com “Desordem”, que, na turnê Encontro, ganhou um arranjo mais leve. Claro que dá para entender que, depois de 40 anos de carreira, o desejo da banda é inovar e dar novas roupagens para os hits do passado, mas mudar os clássicos é sempre um processo problemático e arriscado, que acaba frustrando as expectativas do público, já que, quando algo é bom, queremos mais do mesmo... Além disso, há o compromisso com a assinatura da banda e, nesse caso, em se tratando dos Titãs, os fãs sempre esperam uma potência sonora fora do comum.

Como costuma ocorrer em qualquer reencontro, a banda não uniu apenas o presente e o passado. Ela uniu gerações, além de usar os diferentes estilos e experiências de cada integrante, ao longo das décadas, dentro e fora dos Titãs. Como já era esperado, o sucesso foi absoluto e o público pediu bis. Por esse motivo, o grupo anunciou que nos meses de novembro e dezembro deste ano a turnê vai continuar, com shows extras pelo Brasil. Aliás, esse bônus foi batizado com o sugestivo nome Encontro: Pra dizer adeus (Fig. 4).


Figura 4: Detalhe do cartaz oficial dos shows extras da turnê Encontro. Imagem disponível em: https://www.tenhomaisdiscosqueamigos.com/2023/07/11/titas-reuniao-shows-2023-novas-datas/


No entanto, não há dúvida de que, para os fãs inveterados da banda, será apenas um até logo! Salve, Titãs — a melhor banda de todos os tempos e da última semana!



REFERÊNCIAS

TITÃS. Titãs 84/94. Vol. 2. 1 CD, 1994.

TITÃS. A melhor banda de todos os tempos da última semana. 1 CD, 2001.

TITÃS. Encontro: Todos ao mesmo tempo agora. Turnê, 2023.


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* Verônica Daniel Kobs: Professora do Mestrado e do Doutorado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Professora do Curso de Graduação de Letras da FAE. Autora do blog Interartes (https://danielkobsveronica.wixsite.com/interartes). Em 2018, concluiu o Pós-Doutorado na área de Literatura e Intermidialidade, realizado na UFPR.

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