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  • Foto do escritorVerônica Daniel Kobs

WANDINHA: A PRIMOGÊNITA DA FAMÍLIA ADDAMS-BURTON

(Este texto contém spoilers.)

 

 

Em novembro de 2022, estreou a série Wandinha, spin-off de A família Addams. Escrita por Al Gough e Miles Millar, e dirigida por Tim Burton, a atração alcançou marcas impressionantes de audiência, em minutos assistidos (1,02 bilhão), garantindo o terceiro lugar no ranking, perdendo apenas para Stranger things (1,35 bilhão) e para Round 6 (1,65 bilhão) (NASCIMENTO, 2023). 

Por essa razão, e principalmente pela atuação de Jenna Ortega no papel de Wandinha Addams, a produção de Burton foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Série e Melhor Atriz, concorrendo como Série de Comédia/Musical. Wandinha não levou os prêmios, mas a atriz impressionou no tapete vermelho, tendo sido considerada a mais bem vestida do evento. Em fevereiro, a série vai concorrer a outros dois prêmios de peso: no SAG; e no AACTA.

Apesar desses resultados, Wandinha tem um defeito que não pode ser esquecido: o enredo é previsível, acumulando clichês. O príncipe vira sapo. Enid e Bianca, que se opõem à Wandinha, no início, transformam-se em suas principais aliadas. Xavier, o principal suspeito, também acaba sendo inocentado. Por fim, há a personagem Marilyn Tornhill, interpretada por Christina Ricci (a Wandinha dos filmes da década de 1990), que não surpreende ao se revelar como vilã.

Além disso, há falhas na escolha do elenco, no que se refere aos integrantes da família Addams. Catherine Zeta-Jones e Luiz Guzman não chegam aos pés de Anjelica Huston e Raul Julia nos papéis de Mortícia e Gomez Addams. O mesmo ocorre com Pugsley Addams e o Tio Fester. Não há charme nem carisma em nenhum dos Addams, exceto em Wandinha, de modo que Jenna Ortega acumula a responsabilidade de se superar, para representar com excelência a família inteira.

Contudo, é evidente que Wandinha tem inúmeras qualidades e duas delas são o elogio à diversidade e o combate ao preconceito. Isso fica claro quando a protagonista chega à Nevermore Academy e se depara com pessoas tão distintas quanto ela. Enquanto os habitantes do vilarejo consideram os alunos de Nunca Mais esquisitos e desencaixados, podemos dizer que eles são talentosos, cada um com um poder ou com uma habilidade bastante específica, como acontece com Harry Potter e os demais personagens da saga de J. K. Rowling, em Hogwarts.

Outro ponto positivo de Wandinha, e que também é marca registrada de Tim Burton, é a atmosfera gótica. Sem dúvida, nesse quesito, destacam-se a personalidade mórbida da primogênita dos Addams e a arquitetura da Nevermore Academy, uma clara homenagem à obra do mestre Edgar Allan Poe. Os portões da escola contrastam com a névoa típica de um dia cinzento. Além disso, os corvos do poema de Poe enfeitam as extremidades da parte superior da entrada, em perfeita sintonia com o enredo e com o perfil da protagonista (Fig. 1). As filmagens foram feitas em um castelo, na Romênia, que é a terra do Conde Drácula (e isso não é por acaso!).

 

Figura 1: Vídeo promocional da série, apresentando a Nevermore Academy. Imagem disponível em: <https://www.geekhere.com.br/2022/09/novo-video-de-wandinha-apresenta-a-escola-nunca-mais-e-da-ate-para-se-matricular/>

 

Quanto ao temperamento peculiar de Wandinha, é justamente isso que rende passagens imperdíveis, relacionadas à paródia. Aliás, essa é a principal herança que a personagem traz dos filmes A família Addams 1 e 2, lançados em 1991 e 1993, respectivamente. No segundo longa, Mortícia e Gomez têm um bebê, que um dia acorda com cabelos loiros, encaracolados, e bochechas rosadas. No senso comum, essas características são apreciadas nas crianças, mas os Addams contrariam tudo o que é normal, fundando um jeito próprio de ser, de se vestir e de viver. Exatamente por isso, a nova aparência do bebê é considerada uma doença, uma espécie de possessão infantil. Apavorada com a má sorte do caçula, Mortícia diz: “Esses cachinhos dourados, essas bochechas rosadas, esse sorriso. [...]. Ele pode se tornar um advogado, até um ortodontista [...]. Ou presidente!” (A FAMÍLIA ADDAMS 2, 1993). Para ela, qualquer uma dessas profissões significaria o fracasso irremediável do filho.

Também no filme de 1993, Fester casa-se com Debbie e o evento é visto com preocupação pelo irmão. Contrariando mais uma vez o senso comum (e o mundo real), Gomez Addams critica a decoração da festa: “Você o escravizou. Posso perdoar tudo, Debbie, mas... Tons pastel?!” (A FAMÍLIA ADDAMS 2, 1993). Em outra passagem, após o casamento, Fester e Debbie começam vida nova. No entanto, a família Addams, reunida, não economiza nas críticas: “Eles passaram a lua de mel no Havaí. E se mudaram para uma casa grande e bonita, onde fazem amor frequentemente. Eu acho que... Eles têm um sedam!” (A FAMÍLIA ADDAMS 2, 1993).

Fiel a esse estratagema típico da paródia, na série, Wandinha surpreende a todos, em Nevermore, pela crueldade e frieza. Em certa ocasião, ela castiga alguns garotos, colocando piranhas na piscina e causando um verdadeiro banho de sangue. Em outras duas sequências, Wandinha: “Se me ouvir gritando de pavor, provavelmente estou me divertindo”; “Quando olho pra você, estes emojis me vêm à mente: corda, pá, buraco” (WANDINHA, 2022). Finalmente, vale ressaltar o gosto da personagem pelas plantas carnívoras e a extrema calma, mesmo em situações de perigo.

Conforme Linda Hutcheon: “A paródia é [...] um gênero sofisticado nas exigências que faz aos seus praticantes e intérpretes” (HUTCHEON, 1985, p. 50). Por isso, tanto A família Addams 2 quanto Wandinha exigem que os espectadores aceitem as críticas às convenções sociais, para poderem apreciar o humor mordaz e inteligente dos dois enredos. Mas a paródia não é feita apenas de palavras. A série também traz imagens que falam por si, evidenciando crítica e oposição à normalidade (Figs. 2 a 4):

 

Figura 2: Enid e Wandinha assumem suas diferenças e dividem o quarto em territórios distintos. Imagem disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/256730-wandinha-enid-juntas-elenco-serie-apoia-casal.htm>

 

Figura 3: Wandinha contraria a regra de usar roupas brancas e vai ao baile com um vestido preto. Imagem disponível em: <https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/257317-wandinha-cena-danca-ter-sido-diferente-entenda.htm>

 

No baile, Wandinha dança Goo goo muck, da banda The Cramps. Veja a sequência completa em: https://www.youtube.com/watch?v=2mRVZ6fsFYA.

 

Figura 4: Parodiando Carrie, a estranha, Wandinha fica coberta de sangue falso, no baile, e se diverte, lambendo os dedos, de modo sarcástico. Imagem disponível em: <https://br.ign.com/wandinha/104842/news/wandinha-jenna-ortega-apareceu-no-primeiro-encontro-com-tim-burton-coberta-de-sangue>

 

Assim como a paródia utiliza e contraria textos e situações já existentes, a série estabelece outros níveis de diálogo, já que Burton assume diversas influências, de si mesmo (como no filme Sombras da noite) e de outros artistas e obras: de Tarantino, Stephen King e Hitchcock até Umbrella academy e Harry Potter. Portanto, depois de ler este texto, não deixe de acessar o material extra, com imagens da série e de outras produções que ajudaram a criar o mundo peculiar de Wandinha:



E, se você é fã da série, prepare-se, pois a segunda temporada será filmada na Irlanda, a partir de abril de 2024, e vai estrear no próximo ano, prometendo mais cenas de terror.


 

REFERÊNCIAS

A FAMÍLIA ADDAMS 2. Direção de Barry Sonnenfeld. EUA: Paramount Pictures e Onion Pictures; Paramount Pictures, 1993. 1 DVD (94 min); son.

HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Ensinamentos das formas de arte do século XX. Rio de Janeiro: Edições 70, 1985.

NASCIMENTO, C. ‘Wandinha’ perdeu o primeiro lugar para outra série famosa da Netflix. 23 jan. 2023. Disponível em: <https://onlineseries.com.br/wandinha-perdeu-o-primeiro-lugar-para-outra-serie-famosa-da-netflix/>. Acesso em: 23 jan. 2023.

NÔMADE. Wandinha (2022-presente) cena: a dança de Wandinha. 27 nov. 2022. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=2mRVZ6fsFYA>. Acesso em: 23 jan. 2023.

WANDINHA. Direção: Tim Burton. EUA, 2022. Netflix; Netflix (Temporada 1; 8 episódios).

 


Texto originalmente publicado no blog Recorte Lírico, em 2023.


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* Verônica Daniel Kobs: Professora do Mestrado e do Doutorado em Teoria Literária da UNIANDRADE. Autora do blog Interartes (https://danielkobsveronica.wixsite.com/interartes). Em 2018, concluiu o Pós-Doutorado na área de Literatura e Intermidialidade, realizado na UFPR.

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